Mostra em SP destaca obras do lituano Jonas Mekas
Jonas Mekas não é um cineasta muito conhecido no Brasil, a não ser entre "especialistas". Em 2011, a Mostra de Cinema de São Paulo programou um dos seus filmes, "Histórias da Insônia", seu penúltimo opus. Agora chega esta retrospectiva do CCBB e do Cinusp, que oferece uma visão de conjunto dessa obra original, com 33 dos seus filmes, entre longas e curtas-metragens. Para a maioria dos cinéfilos, será uma descoberta. Mesmo porque grande parte dessas obras é inédita no Brasil.
Algumas informações factuais sobre o autor. Mekas nasceu em 1922, na Lituânia. Junto com o irmão, o também cineasta Adolfas, ficou preso num campo de trabalhos forçados na Alemanha, no final da 2.ª Guerra. Em 1949 emigrou para Nova York, onde começou a fazer uma série de filmes muito pessoais com uma câmera de 16 mm. Logo se tornou o chamado "pai do cinema underground americano", tendo trabalhado com gente como Andy Warhol, Alen Ginsberg, John Lennon, Yoko Ono e Salvador Dalí.
Além dos filmes, marca, como crítico e escritor, presença na cena cultural nova-iorquina. Foi um dos fundadores da revista "Film Culture", e criou nos anos 60 uma cooperativa de filmes experimentais - a Film Maker’s Cooperative - além do Anthology Film Archives, a maior referência de cinemateca de filmes experimentais do mundo, que funciona numa antiga prisão do East Village. A instituição tem 42 anos de existência. É uma vida toda dedicada a um tipo de cinema na contramão do estabelecido, a contrapelo do mainstream.
A mostra já tem em seu primeiro dia um dos títulos mais notáveis de Mekas, "A Prisão" (The Brig), registro de uma encenação do Living Theatre, com a qual o cineasta ficou impactado. Seria a última apresentação da peça, mas Mekas convenceu o grupo a encená-las uma vez mais para que ele a registrasse em filme. O Living Theatre, como se sabe, foi um dos grupos experimentais mais ativos dos anos 1960 e 1970. O filme mostra uma prisão de mariners, no Japão em 1957, em que torturas morais e físicas são mostradas de forma crua. O registro é realista.
Já "Walden" talvez seja um dos trabalhos mais característicos de Mekas. Leva o subtítulo de "Diários, Notas e Esboços" e as datas de 1964-1968 e 1968-1969. Expressa uma das crenças do diretor, a de que o cinema não precisa se amparar numa pesada e cara estrutura industrial, mas pode ser uma moderna caderneta de anotações do autor. Como os artistas do século 19 andavam com lápis e papel no bolso, anotando seus pensamentos e sensações, o artista audiovisual do século 20 não se separa de sua pequena câmera Bolex e, com ela, pratica o registro do seu dia a dia. Assim, vemos cenas de um casamento, um piquenique no Central Park, com o cotidiano tomando forma pela imagem. Cenas banais? O que o cinema de Mekas parece nos mostrar é que existe de tudo na vida cotidiana, menos a banalidade.
Como "Walden", "Lost, Lost, Lost" é também um diário, este de uma total desesperança em terra estrangeira. Registro de imigrante, bebe no estranhamento de país que não é o seu, tomado entre 1949-1963 e concluído em 1976, mas agora sob um novo tom, o da integração ao meio. A prática do filme-diário é constante, como em "Paraíso Ainda não Perdido", meditação sobre o tema do Paraíso, mas também carta cinematográfica para sua filha Oona, para que ela se recorde de como era o seu mundo quando tinha apenas 3 anos de idade. Ou "Ao Caminhar Entrevi Lampejos de Beleza", que implica toda uma vertente de pensamento estético, em busca daquilo que James Joyce, em literatura, chamava de "epifania". O sublime que surge, inesperado, do trivial.
Há todo um mundo a se descobrir no cinema de Jonas Mekas. A unir esses filmes, uma filosofia libertária do provisório contra o acabado; do movimento contra a inércia; da liberdade contra o cânone. O passeio filosófico-cinematográfico prossegue até a mais recente obra, "Restos da Vida de Um Homem Feliz" (2012). Montado a partir de material reunido em seu estúdio, desde 1950, mas que não havia encontrado lugar em seus filmes, é agora reestruturado neste que, segundo Mekas, será seu último filme... em película. O cinema, para Mekas, é o mesmo que a filosofia, para Georges Bataille: jamais uma casa, mas um canteiro de obras. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.